domingo, 27 de maio de 2007

Barcos recreio
Outro dia fiz uma viagem de barco recreio, de Manaus a Coari. Para deixar o barco no anonimato, não escreverei seu nome. Barco grande e novo. Cheio, lotado.
As redes foram aos poucos se amontoando, cada um que chegava dava um jeito de amarrar suas cordas e arrumar sua bagagem do melhor modo possível, onde o conforto ou o melhor modo para fazer a viagem parecesse bom. Como se isso pudesse acontecer numa viagem dessa natureza.
Há anos que faço esse trecho Coari – Manaus – Coari, desde minha infância, e a qualidade do serviço desses barcos parecem iguais.
O convés (assoalho) estava sempre sujo, durante todo o tempo do percurso uma única vez ele foi varrido, água, pano molhado, pra quê? Por isso se fazia necessário está sempre calçado. O pior de tudo foi ver o varredor carregar com a vassoura copos plásticos, sacos de vários tamanhos e tipos, latinhas de refrigerantes até a borda do bardo e de lá empurrar tudo para a água. Doeu.
Dentro do quesito limpeza, o banheiro era um ítem a parte. Era entrar e sentir o cheiro fétido. O melhor era olhar o menos que pudesse para não sentir repugnância. O desafio maior era ir lá para fazer as necessidades básicas mais demoradas que urinar, e isso quando tinha papel higiênico!
Como todos os barcos dessa natureza, esse também trazia muita “carga” de Manaus. O que me impressiona é que cada vez mais eles transportam frutas e verduras: Cebola, tomate, repolho, cenoura, batata, laranjas, maçãs, entre outras. Tudo estava amontoado num estrado que na hora do desembarque começou a sair de lá uma multidão de barata, que procuravam no meio das frutas e verduras se alimentar.
Minha rede estava atada bem acima de uma escotilha, por causa disso me pediram para afastar um pouco para o lado, visto que iam tirar mercadorias do porão. Fiquei numa posição previlegiada para ver esta outra parte do barco que praticamente não temos acesso. A primeira visão que tive quando a escotilha foi aberta, foi a de umas caixas de yogurte, algumas espocadas e os pequenos potes amassados, destruídos e o líquido escorrendo, grudado, um mingau que se misturava aos potes e ao lixo. Poeira de toda espécie.
Abaixo do yogurte estavam caixas de queijos, do lado deles uma infinidade de coisas e tudo de qualquer jeito. No bar não vendiam bebida alcoólica, mas, no porão, elas eram uma boa parte da carga.
À noite subi para a área de lazer, onde geralmente tem uma televisão e uma antena parabólica, minha intenção era assistir o Jornal Nacional. A área estava bem movimentada, muita gente no local. E uma novidade que ainda não tinha visto em outros barcos, um telão. Com um aparelho de DVD, duas caixas de som, um data-show e uma tela feita de um quadrado de canos de ferro com uma lona pintada de branco, que era a tela de maios ou menos uns dois metros quadrados, o cinema estava pronto.
O filme projetado era de violência Norte Americana, desses que se espremer escorre sangue. O filme tinha bom público e bem diversificado, de todas as idades e gêneros.
Bem ao fundo, junto do bar estava uma TV de 21 polegadas exibindo o Jornal Nacional sendo assistido por um público insignificante diante do público do filme.
O que muito me impressionou nesta viagem foi a quantidade de jovens com crianças, recém saídas da adolescência, era visível que seus corpos ainda não tinham atingido a maturidade para esta experiência de ser mãe e já eram. Podemos pensar isso como um fator cultural, coisa própria da nossa região. Porém além de não estarem prontas para essa responsabilidade tanto no sentido psicológico, como no sentido econômico, visto que ainda são sustentadas pela família, esse é um tempo de estarem na escola.
Ao meu lado estava um senhor com a nossa aparência indígena, que tinha comprado dos camelôs em Manaus várias bugigangas, tipo produtos da china. Entre elas, estava um rádio que era seu passatempo predileto. Tirava o rádio da caixa, ligava, girava o botão do volume, girava o botão sintonizador e nada. Colocava na caixa. Passava uma Meira hora, tirava da caixa, e o ritual de ligar, girar os botões se repetia. Colocava caixa. Tirava.
Esses são nossos barcos recreio que cortam a infinidade de rios da nossa Amazônia, ligando cidades. Transportando gêneros alimentícios e tudo que é necessário para viver para o interior; onde serão vendidos bem acima do preço. Ô vida encarecida! Transportando história, sonhos, amores despedaçados e construídos. Trazendo e levando notícias, umas boas e outras nem tanto. Enfim, transportando a vida. A vida Amazônica!

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