domingo, 13 de abril de 2008

Cobra Grande
Uma das mais conhecidas canções do Amazonas, chama-se “Porto de Lenha”. Retrata a realidade dos antigos portos de lenhas espalhados pela Amazônia, abastecedores dos navios estrangeiros que transportavam as “pélas” para outras pátrias. Alguns desses portos com o tempo foram se transformando em agrupamentos humanos, um exemplo claro disso é a "Vila do Lauro Sodré", que leva o nome de um dos navios aportado por lá.
Ostentando diversas bandeiras nos mastros, eles transportavam o ouro branco de portos distantes por essa imensa Amazônia até suas pátrias, onde suas cargas eram transformadas em outro tipo de “espécie”. Dinheiro vivo. Um tempo tão cruel que insiste em ficar na memória comum do povo amazonida, uma realidade que deixou um rastro de sangue e de pobreza nos estados da Amazônia.
Os seringueiros que nos seringais comiam o pão que o diabo amassou para ver escorrer o líquido branco das gigantescas árvores, eram os que menos ganhavam desse negócio, onde os grandes investidores em Londres e outras grandes cidades se deliciavam de manjares dos deuses e os seringalistas acendiam charutos com notas de altos valores nos puteiros de Belém e de Manaus, com putas de nacionalidades tão diferentes como as bandeiras ostentadas nos mastros dos navios transportadores de borracha.
Hoje a realidade se repete, não igual como no tempo áureo da borracha, mais tão brutal e cruel como antes. Os navios da ambição continuam a cortar a nossa imensa Amazônia, transportando nossas riquezas para outras pátrias. Por grande parte dessa pátria verde é a carne, a soja e a madeira que por onde passam vão deixando um rastro de destruição na floresta e na vida das pessoas.
No trecho Manaus – Coari – Manaus é comum o tráfego de navios. Indo de Manaus para Coari vazios e descendo o rio de Coari para Manaus carregados de petróleo e gás natural. O primeiro estrago é feito pelas ondas que invadem a beirada do Solimões, atacando com suas forças os simples “portos de lenhas” que servem as comunidades e os ribeirinhos.
Abastecidos com a riqueza de Coari, deixam para trás um município pobre, miserável, visto que o dinheiro do lucro dessa riqueza natural, que é de todos os coarienses, fica nas mãos de poucos.
A população, o município fica com outro tipo de lucro: a destruição de suas florestas; destruição cultural; o extermínio de micros organismos vivos, invisíveis a olho nu; aos filhos e as filhas de Coari, todo tipo de doenças sexualmente transmissíveis e as centenas de crianças sem pais, são os novos botos, filhos da cobra grande, deixadas como lucro dos espermas das centenas de homens que trabalham nessa empreitada.Entre outros lucros!
Os navios continuam transportando riquezas dessa terra de infinitas riquezas e um povo que vive, morre na pobreza e na miséria.
Em vários cantos e recantos dessa Amazônia de encantes e encantos mil, os pobres contam a história de um navio iluminado que navega pelas negras e barrentas águas. Na sua sabedoria sabem que esses navios são cobras grandes famintas, que nunca se saciam e vivem devorando essa gente que não se cansa de sofrer.
Os novos navios de ferro e tecnologias estão a cortar nossas águas negras e barrentas, devorando nossas riquezas e nossa gente, que insiste em resistir, sonhar e viver.

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