O Grito dos Inocentes!

Há uma história de dois amigos que nasceram na mesma área rural e viveram intensamente suas vidas naquele local, coisa pequena, uma pequena vila. Na idade de doze anos, um deles vai com os pais morar na cidade grande e nunca mais volta a sua vila.
Passados quarenta anos, o que ficou na área rural conseguiu ir visitar seu amigo da cidade grande. Chegando lá, no segundo dia foram passear no centro da cidade. A multidão impressionava o amigo vindo do campo.

De repente o amigo do interior parou, colocou a mão no ombro de seu amigo, fazendo um gesto, pedindo que ele também parasse. Colocou o dedo indicador nos lábios pedindo silêncio; apurou os ouvidos para um som que só ele parecia ouvir em meio a multidão apressada e barulhenta, andou para um canto, meteu a mão por baixo de um papel que havia por ali e tirou de lá um grilho.

O amigo da cidade ficou impressionado e perguntou como foi que ele conseguiu ouvir o grilho no meio de toda aquela barulheira, ele respondeu encolhendo os ombros e dizendo que era o seu mundo.

E continuaram caminhando.

Passada uma meia hora, alguém deixou cair uma moeda, o som do metal na pedra depertou os ouvidos dos passantes e todos voltaram os olhares para onde a moeda estava.

O amigo do campo perguntou ao amigo da cidade porque todos se voltaram para onde estava a moeda? O amigo meio sem saber o que dizer... ouviu do outro: "cada um contempla o mundo que vive".

Aqui estamos nós em Coari, cidade cortada ao meio pelo Igarapé do Espírito Santo. Igarapé que todos os anos tem sua mata arrancada, tanto na cheia, como na seca.
Este ano custaram a depredar suas matas, somente agora começaram, já no fim do período da cheia. Portanto houve tempo para a mata crescer bem. Junto com a mata se desenvolveu no Igarapé muitas comunidades de vida, principalmente de pássaros.
De manhã bem cedinho acontece em Coari um dos espetáculos mais impressionante que a natureza pode produzir, o acordar da passarada. Um coral impecável. É a obra criativa de Deus querendo mostrar sua beleza.
Como esse é o primeiro ano que a mata cresceu desde que retornei (fim de 2005), agora consigo perceber melhor mais uma das grandes riquezas da terra de gás e do petróleo. Admirar, contemplar toda essa estupenda obra da criação de manhã é sentir a vida resnascer.
Com a retirada da mata, estão indo os ninhos dos pássaros que ali conseguiram viver, fazer amor e reproduzir nesse período da chuva amazônica. Agora ouvir esse grito de desespero, de morte é de partir corações. Mães desesperadas de verem seus ovos desaparecem não é fácil não. Elas não podem fazer nada.
Nós não fazemos nada, esse mundo belo já não nos pertecen, o nosso egoísmo e ambição está nos conduzindo para outros espaços.

Quanta beleza estamos perdendo com tudo isso. Isso porque perdemos a beleza de contemplar a vida. "Cada um contempla o mundo que vive". Fico me perguntando que mundo nós coarienses estamos contemplando?