domingo, 2 de março de 2008

Crianças brincam de pipa e jogam futebol entre as sepulturas do novo cemitério

Leanderson Lima Enviado Especial - Coari (AM)
A partida já está nos acréscimos. O São Raimundo pressiona em busca do gol. Um empate simples - em 0 a 0 -, garante o título da Taça Amazonas ao Grêmio Coariense. O estádio Manoel Brasil de Melo, em Coari (a 370 quilômetros de Manaus), está completamente lotado, com mais de quatro mil pessoas. Os torcedores aguardam com aflição o apito final. No último lance da partida, o zagueiro Paulão quase marca para o time da Colina. A torcida prende a respiração. O árbitro Washington José Alves de Souza caminha para o centro do campo e encerra o tormento dos tricolores. Explode o grito de "é campeão"! Centenas de gremistas invadem o gramado para comemorar com seus heróis. O Grêmio está na final do Campeonato Estadual de 2004. O técnico Paçoca abraça o capitão Lorão e o goleiro Raiscifran; o atacante Canhoto, ainda menino, chora de joelhos no gramado, olhando para o céu como se agradecesse a Deus por realizar o sonho de "vencer" no futebol.
Aquele dia de 21 de março de 2004 ficará registrado para sempre na memória dos fãs do futebol local. Surgia dentro das quatro linhas um "fenômeno" chamado Grêmio Coariense, um time que para muitos, representava a redenção para o agonizante futebol do Amazonas. E o sucesso chegou a galope com o vice-campeonato naquele ano e a conquista do Estadual em 2005. O Tricolor do interior conquistou o direito de representar o Estado na Série C e na Copa do Brasil chamando atenção da imprensa nacional. Mas poucos sabiam que essa história estava com os dias contados.
Depois de três anos, o Grêmio deixou os gramados alegando falta de recursos. Era o fim do futebol profissional em Coari, que tem uma das economias mais prósperas do Norte em virtude da província petrolífera de Urucu, que rende só de royalties, quase R$ 4 milhões por mês aos cofres do município.
Além de ver o time sair de campo, os torcedores assistiram à transformação do único estádio da cidade num cemitério, enterrando de vez, o futebol naquele pedaço de Brasil. A reportagem do CRAQUE, que esteve presente na final do Estadual de 2004, retornou a Coari para tentar desvendar essas e outras histórias, que serão contadas na série "A morte do futebol", em três capítulos, publicados a partir de hoje (terça e quarta-feira).
O Templo
Sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008, 15h30h. A harmonia e o silêncio no estádio que virou cemitério são quebrados pelo som de crianças brincando no local e pelo barulho da marreta do autônomo Suleib da Silva. Desempregado, ele o filho Richard, aceitaram a empreitada de pôr no chão os últimos vestígios do estádio. Pelas mãos deles, as arquibancadas foram transformadas em entulho.
Alheio à história do lugar, este vascaíno de 38 anos acha tudo muito esquisito. "É muito estranho você demolir um estádio para fazer um cemitério. O povo não gostou da idéia, mas fazer o quê? Não tem onde jogar os corpos. Vai jogar no lixo?", questiona com desconfiança.
Sem traves, linhas, ou arquibancadas - e com um cruzeiro erguido bem no meio do campo -, a única lembrança de que aquele local um dia foi um "templo do futebol" está nos vestiários que ficam no subsolo. Era lá que os jogadores do Grêmio Coariense se preparavam para as batalhas contra os visitantes. Hoje, não sobrou muita coisa, além de poeira, mato e lixo.
Fonte: jornal A Crítica

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