quinta-feira, 18 de março de 2010


No coração do Amazonas, banhado pelo rio Solimões, Coari era igual a qualquer outro município no meio da maior floresta tropical do planeta, com uma pequena população. A realidade local começou a mudar quando foram descobertos petróleo, de excelente qualidade, e uma imensa jazida de gás natural cerca de três mil metros abaixo do solo. A partir daí, a Petrobras implantou em suas terras a Província Petrolífera do Rio Urucu, tornando possível a prospecção, o transporte e o escoamento do material até o Solimões e, de lá, para a Refinaria de Manaus (Reman). Fui para lá há alguns anos escrever sobre a cidade e, recentemente, atualizei os dados com a ajuda do jornalista Maurício Reimberg. Trago a história, igual a tantas outras em território nacional, para mostrar um exemplo de como a discussão dos royalties da camada pré-sal, que animou as discussões no Congresso Nacional nos últimos dias, ainda não estão alinhadas com a realidade dos brasileiros.

Do primeiro poço, construído em 1986, até hoje, Coari multiplicou seu orçamento. Em 2001, eram R$ 19,14 milhões em royalties transferidos pela Petrobrás à administração municipal, além de R$ 1,25 milhão na forma de participação especial – paga quando há grande volume de produção ou rentabilidade. Para 2009, a previsão da prefeitura era de que o repasse ultrapassasse os R$ 80 milhões. Dos municípios com exploração continental no país, Coari é o que mais recebe royalties, e no ranking geral perde apenas para os da região da bacia de Campos, no Rio de Janeiro.

Contudo, essa fartura de recursos não alterou muito a qualidade de vida de seus moradores. Da mesma forma que o orçamento, a população também foi se multiplicando, e hoje são mais de 65 mil habitantes na busca pelo seu quinhão do Eldorado negro. A cerca de dois quilômetros do porto da Petrobras, no rio Solimões, a iluminação do terminal e a movimentação das embarcações afastaram os peixes, que eram fonte de renda e alimentação para a população ribeirinha. A compensação financeira pela exploração do subsolo não foi sentida pela população mais vulnerável: “Não houve mudança significativa com a vinda da Petrobras. Nas comunidades por onde passa o gasoduto, as pessoas não sabem para quem vão os benefícios”, afirmou Joércio Golçalves Pereira, bispo da Prelazia de Coari. “Quando vem alguma autoridade importante, eles [a prefeitura] investem numa comunidade e falam que todas as outras são do mesmo jeito. Isso não é verdade.”

Há reclamações sobre a falta de saneamento básico, de água potável e o acúmulo de lixo nas vias. Os moradores convivem num contexto de elevado consumo de bebidas alcoólicas e drogas. Diante do quadro de precarização da saúde, cresce o número de casos de doenças sexualmente transmissíveis, como a Aids, além da violência. A prostituição infantil é mais uma das faces de um desafio à espera de solução em Coari. Uma possível consequência disso é que a estatística das meninas grávidas com idade até 15 anos mostra uma elevada incidência da maternidade precoce. Entre mulheres que tiveram filhos em Coari, no primeiro semestre de 2008, 13,9% estavam nessa faixa. Em 1995, um ano antes da chegada do petróleo à cidade, apenas 1,7% das grávidas tinha idade abaixo de 15 anos.

Em maio de 2008, uma grande ação da Polícia Federal (PF) sacudiu o cenário político de Coari. A Operação Vorax, alusão a uma bactéria que se alimenta de petróleo, investigou uma quadrilha acusada de participação num suposto esquema de desvio de verbas públicas na prefeitura local. Segundo a Polícia Federal, a organização criminosa se apropriava de recursos repassados pelo governo federal e pela Petrobras referentes à exploração de petróleo e gás no município. Segundo a conclusão da fiscalização feita em 2007 pela Controladoria-Geral da União (CGU), em parceria com a PF, os supostos desvios praticados pela prefeitura de Coari geraram mais de R$7 milhões em prejuízos aos cofres públicos entre 2001 e 2006, sendo R$3,1 milhões em recursos federais e mais de R$3,8 milhões em receitas de royalties. Leia mais.

Um comentário:

Anônimo disse...

é tudo verdade, concordamos, com o descaso na aplicaçao dos royalties, em todo o Brasil, devido a falta de um marco regulatorio que determine em que gastar, desta forma distribuir royalties a todos como esta sendo atualmente debatido no Congresso nao é a soluçao pra ninguem