domingo, 19 de fevereiro de 2012

Crônicas de um carnaval coariense

Domingo -Justina

Quinze para as sete da manhã, Justina era acordada pela mãe, pedindo que se arrumasse, ficasse bonita para Jesus, pois, iam a missa e depois tomariam um delicioso café, sem  chá e bolachas de dentistas que tomavam nesses últimos longos dias de miséria. Tinha ganho um dinheiro e comprou goma para tapioca, tucumã, piquiá, café e leite, um café digno de uma princesa e na força dos seus 14 anos, ela era a princesa de sua mãe.

O corpo dolorido reclamava, levantou devagar com a memória remoendo lembranças de tantas coisas que tinha acontecido num espaço tão curto de tempo, depois dos acontecidos a vida não era a mesma. Deixando a pouca roupa de dormir, tomou uma velha toalha se dirigiu ao banheiro. Pegou um papeiro sem cabo e depositou uma mão na beira do camburão e a outra esfregou o rostou, eram movimentos involuntários, ficava assim sempre e olhava para o céu num banheiro fétido e sem teto, de madeira já envelhecida, liso. No alto um urubu planava e conduziu sua memória.

Lembrou que a 'boca da noite' de sexta, uma conhecida de sua mãe tinha adentrado em sua casa e conversaram por horas. Assistindo a novela, observava com o canto do que a estranha mulher falava e gesticulava muito, e via que sua mãe mexia a cabeça num gesto afirmativo. Após a partida da estranha, quando ficaram sós, ela veio a ficar sabendo do conteúdo da conversa e que dizia respeito a ela.

Foi assim acordada as duas da manhã do dia anterior sentiu um homem sobre ela; uma madrugada de sábado quente, queria sair dali e não conseguia, algo entrou nela, dóia, o homem fungava, se mexia, era forte, por mais que tentasse não sabia o que fazer,a té que ele caiu de lado e sobre si ficou um líquido, mistura de esperma e sangue.

O dia de sábado, foi um dia de silêncio. Mãe e filha mudas pela dor da vergonha. Uma vez tinha visto aquele homem conversar com seu pai e que ele era bom, estava "dando" dinheiro para eles comprarem os remédios, seriam necessários para antes e depois da cirurgia. Cirurgia que o levou a morte. Num papel estava escrito "infecção hospitalar". Sua avó lhe disse que foi o seu tio, morador da cidade encantada que tinha vindo lhe buscar, pois precisavam de gente para retirarem as pedras fundamentais que estavam tapando a entrada da cidade encantada embaixo da ponte de barro no Igarapé do Pêra.

O silêncio foi quebrado com a chegada da estranha mulher da noite anterior que os levou para a casa do senhor da madrugada e lá conheceu Enrique. Foi uma noite de sábado maravilhosa e pensava está descobrindo que a vida era muito maior que sua casa!


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